sexta-feira, 28 de abril de 2017

REFORMA TRABALHISTA - Um retrocesso absurdo - por Kleber Melo

Faço uma análise de alguns artigos da reforma trabalhista aprovada na Câmara dos Deputados e que seguiu para o Senado Federal. Fiz o texto com intenção apenas na técnica e apresentando a experiência de quem atua na área trabalhista.

1) alteração do conceito de grupo econômico
Proposta de alteração:
Art. 1º A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 2º ................................. .................................................... § 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. § 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.”(NR)
O que isso significa?
Se você tiver uma ação trabalhista contra um determinado grupo econômico, e o patrão não pagou as verbas trabalhistas, mas mesmo assim este patrão possua outra empresa ou até mesmo abra outra empresa, ele não será responsabilizado pelas dívidas trabalhistas.
Isso prejudica os trabalhadores especialmente na fase de execução e retira do patrão a responsabilidade de débitos contraídos quando se aproveitou da força de trabalho do empregado.

2) Adequação do conceito de tempo de serviço ao empregador
Proposta de alteração:
§ 2° Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1º do art. 58 desta Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras: I – práticas religiosas; II – descanso; III – lazer; IV – estudo; V – alimentação; VI – atividades de relacionamento social; VII – higiene pessoal; VIII – troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa.”(NR)
O que isso significa?
Trata-se de norma protetiva ao empregador contra eventuais condutas do empregado quando não estiver, de fato, à disposição do patrão.
Em matéria processual, consistirá ônus da prova do patrão comprovar que o período em que o empregado estiver nas hipóteses acima mencionadas.

3) Subsidiariedade do Direito Comum
Texto proposto: “Art. 8º ................................. § 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.”
Equivocadamente, retira-se do texto legal a menção à aplicação dos princípios fundamentais, como se não tivesse importância para a conjectura do direito laboral.

4) Redução do poder interpretativo do TST
Texto proposto: “Art. 8º (...) § 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.”
O que isso significa?
O que está escrito no texto legal é bastante óbvio. Com isso, a intenção do legislador é de apenas restringir o alcance do poder interpretativo do TST. Retira-se do julgador o processo hermenêutico. Ocorre que o exame de compatibilidade constitucional do texto aprovado – caso seja aprovado no Senado – será realizado pelos julgadores, eis que se trata de núcleo fundamental de atuação do poder judiciário.

5) Prevalência das normas coletivas sobre o legislado
Texto proposto: “Art. 8º § 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.”(NR)
Implementa-se aqui o instituto do princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva, até então não agasalhado de maneira pacífica pela doutrina trabalhista.
O problema, em relação a este tema, é a falta de confiança dos trabalhadores nos Sindicatos que são, politicamente, considerados “pelegos”. Trata-se de um fortalecimento do “poder” dos sindicatos. Ocorre que, com o fim do imposto sindical, os representantes sindicais terão menor condições de negociação ou força para exercer pressão no patrão. A igualdade de condições de negociação sequer existirá, prejudicando fortemente os trabalhadores.

6) Redução da responsabilidade do sócio retirante
Texto proposto: “Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência: I – a empresa devedora; II – os sócios atuais; e III – os sócios retirantes. Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.”
O que isso significa?
Significa maior dificuldade de execução das decisões trabalhistas. Trata-se de um dos piores retrocessos em se tratando de execução – resolução – dos julgados, tendo em vista que a responsabilidade subsidiária amplia sobremaneira a demora nas execuções trabalhistas.

7) Positivação e restrição do conceito de interrupção do prazo prescricional
Texto proposto: “Art. 11. (...) § 3º A interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista, mesmo que em juízo incompetente, ainda que venha a ser extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos pedidos idênticos.”(NR)
Trata-se de positivação do enunciado n. 268 da súmula de jurisprudência do TST. 
Tal preceito legal encontra-se em desarmonia com a reforma trabalhista, especialmente porque amplia-se a tentativa de solução extrajudicial dos conflitos. Porém, apenas o “ajuizamento de reclamação trabalhista” implicará a interrupção da prescrição. O preceito deveria ser readequado aos vetores que motivaram a reforma trabalhista.

8) Criação da prescrição intercorrente no processo do trabalho
Texto proposto: “Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos. § 1º A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução. § 2º A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição.”
O que isso significa?
A súmula n. 114 do TST proclamava a impossibilidade de prescrição intercorrente no âmbito do processo do trabalho. Registre-se, por oportuno, que nos processos de execução fiscal a prescrição intercorrente era plenamente aplicada.
Com a criação da prescrição intercorrente, muitos processos do trabalho serão extintos, na fase executória, quando determinações judiciais não forem cumpridas. A título de exemplo, um trabalhador é intimado para apresentar o novo endereço do reclamado. Caso o exequente não apresente o novo endereço, ocorrerá a prescrição intercorrente. Isso facilita a sensação de impunidade dos empregadores ruins, incentivando a prática nociva e desrespeitosa às questões trabalhistas.

9) Multa ao patrão que não assinar carteira
Texto proposto: “Art. 47. O empregador que mantiver empregado não registrado nos termos do art. 41 desta Consolidação ficará sujeito a multa no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) por empregado não registrado, acrescido de igual valor em cada reincidência. § 1º Especificamente quanto à infração a que se refere o caput deste artigo, o valor final da multa aplicada será de R$ 800,00 (oitocentos reais) por empregado não registrado, quando se tratar de microempresa ou empresa de pequeno porte. § 2º A infração de que trata o caput deste artigo constitui exceção ao critério da dupla visita.”
Trata-se de proposição que obriga o empregador a se resguardar quanto à modalidade do contrato de trabalho a ser realizado. Do contrário, poderá pagar a referida multa.

10) Fim das horas In Itinere
Texto proposto: “art. 58. § 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.”
O que isso significa?
O trabalhador que caminhar, na sede da empresa, durante uma hora (situação muito comum nas empresas mineradoras) para começar a prestar serviços não terá de direito a computar o referido período como horas trabalhadas, muito embora esteja à disposição do empregador.
Ponto positivo: tal preceito estimula o empregador a fornecer condução aos trabalhadores.

11) Positivação da escala 12x36, sem intervalo para descanso ou refeição
Texto proposto: “Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.”
 A novidade legislativa aqui prevista prevê a possibilidade de impedir o trabalhador de retirar intervalo para repouso ou alimentação, mesmo tendo de trabalhar durante doze horas seguidas. Tal situação, está em dissonância à proteção à saúde do trabalhador.
Recomenda-se aos patrões não utilizarem o instituto da indenização do intervalo para repouso, eis que sua constitucionalidade é bastante duvidosa, especialmente em razão da não observância da dignidade ao trabalhador.

12) Horas extras habituais não descaracterizam o banco de horas e a compensação de jornada
Texto proposto: “Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. Parágrafo único. A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas.”
Trata-se de esquizofrenia do legislador. Inconsistência lógico-sistemática. Inconsistência teleológica. Obviamente, chama o empregador para a fraude. Preceito que sequer deve ser aplicado, eis que em dissonância com o caráter protetivo ao trabalhador.

13) Restrição dos empregados que exercem teletrabalho da realização de horas extraordinárias
Texto proposto: “Art. 62. III – os empregados em regime de teletrabalho.”
A instituição do regime de teletrabalho é um dos fatores de modernização da reforma trabalhista. O controle de jornada dificilmente seria realizado. Em razão disso, restringiu-se o alcance de horas extraordinárias a quem se submeter a este regime.

14) Redução da hermenêutica jurisdicional com a fixação de parâmetros restritos
“Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I – a natureza do bem jurídico tutelado; II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III – a possibilidade de superação física ou psicológica; IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII – o grau de dolo ou culpa; VIII – a ocorrência de retratação espontânea; IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI – a situação social e econômica das partes envolvidas; XII – o grau de publicidade da ofensa. § 1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação: I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido; III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido; IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.”

Comentário: quando a legislação pretende adentrar a todas as situações possíveis, o ofendido fica desprotegido.
O pobre novamente é desprestigiado na legislação. Quem ganha menos, mesmo que passe por situações piores e mais constrangedoras, receberá uma indenização menor do que o rico. Um absurdo.

15) Irresponsabilidade na sucessão trabalhista
Texto proposto: Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.
O que isso significa?
Se um trabalhador presta serviços durante três anos a uma empresa e esta é adquirida por outra, apenas a nova empresa será responsável pelos débitos trabalhistas, fragilizando a percepção de direitos pelo trabalhador. Trata-se de um convite à fraude.
A fraude deverá ser comprovada pelo trabalhador que dificilmente conseguirá demonstrar que a empresa foi adquirida com o fim de afastar a responsabilidade do empregador.


Kleber Vinicius Melo, Defensor Público Federal, atua na área trabalhista.





5 comentários:

Aroldo Camelo de Melo disse...

Excelente texto, dr. Kleber Vinícius B. C de Melo.

Unknown disse...

Parabéns!!

Carol Alarcão disse...

Parabéns! Excelente, uma verdadeira aula de trabalhista!

Diogo Lourenço disse...

Muito bom mesmo. Uma posição técnica, diante de uma imensidão jornalística superficial e tendenciosa. Continue!!!

Unknown disse...

Prof Kleber...em suas aulas do gran de processo do trabalho o sr. Cita a resolucao 136/2014,porem a mesmo foi revogada...o que muda com a nova 185/2017??

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