sexta-feira, 5 de julho de 2019

Especial: Teses do STJ sobre apelação e recurso em sentido estrito

*por Rogério Sanches
1) O efeito devolutivo amplo da apelação criminal autoriza o Tribunal de origem a conhecer de matéria não ventilada nas razões recursais, desde que não agrave a situação do condenado.
A apelação pode ser plena (ou total) ou parcial (ou restrita). Será plena quando o inconformismo se dirigir contra a totalidade da decisão. E parcial quando somente uma parte da decisão for atacada. Suponha-se que, processado por furto e corrupção de menores, o réu é absolvido de ambos os delitos, sendo que o Ministério Público recorre, apenas, visando a obter a condenação pelo crime de furto. Neste caso, o tribunal conhece a matéria que foi objeto de impugnação nos limites da insurgência, segundo o tradicional brocardo tantum devolutum, quantum appellatum. Sendo plena a apelação, todas as questões abordadas no processo serão novamente discutidas.
Tem sido recorrente, no entanto, que se considere um efeito devolutivo amplo da apelação para restringir a incidência da máxima tantum devolutum, quantum appellatum, desde que, obviamente, a situação do réu não seja agravada. Considera-se que a apelação – tratada como o recurso por excelência – pode servir para corrigir vícios de ilegalidade e injustiça ainda que as razões do recurso não lhes façam menção expressa:
“No mais, conforme dito na decisão agravada, no que se refere ao julgamento fora dos limites em que proposto o recurso de apelação, a jurisprudência desta Casa é iterativa no sentido de que ‘o Código de Processo Civil adstringe a atuação do tribunal aos limites da impugnação (art. 515, caput), vigorando a máxima tantum devolutum quantum appellatum. Todavia, por vezes, o tribunal exerce cognição mais vertical do que o juiz a quo, porquanto lhe é lícito conhecer de questões que sequer foram apreciadas em primeiro grau, haja vista que a apelação é recurso servil ao afastamento dos ‘vícios da ilegalidade’ e da ‘injustiça’, encartados em sentenças definitivas ou terminativas’ (REsp 927.958/MG, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 21/10/2008, DJe 13/11/2008)” (AgInt no AREsp 1.044.869/MS, j. 18/05/2017).
O entendimento estabelecido nesta tese foi aplicado pelo STJ inclusive num caso em que, em recurso exclusivo do condenado, o Tribunal de Justiça afastara considerações do juízo de primeiro grau sobre determinadas circunstâncias judiciais, mas, considerando outras circunstâncias antes não analisadas, mantivera a pena-base aplicada na sentença atacada:
“Desta forma, pode o eg. Tribunal de origem, mesmo após afastada circunstância  judicial indevidamente negativada, manter a pena-base no patamar fixado pelo d. Juízo de primeiro grau, atribuindo maior valor as outras circunstâncias  desfavoráveis, em razão do efeito devolutivo amplo da apelação” (HC 389.798/MG, j. 13/06/2017).
2) A apresentação extemporânea das razões não impede o conhecimento do recurso de apelação tempestivamente interposto.
O prazo para interposição da apelação é de cinco dias (art. 593 do CPP), ao passo que a apresentação das razões deve ser feita em oito dias (art. 600, caput). A observância do primeiro prazo para o apelo é do mais absoluto rigor, pois, não manejado o recurso, opera-se a preclusão temporal, com o trânsito em julgado da sentença e consequências, portanto, fatais e peremptórias. Já intempestividade do segundo prazo se traduz em mera irregularidade, sobretudo porque o art. 601 permite a subida dos autos à superior instância sem as respectivas razões. Este tem sido o entendimento tanto do STF quanto do STJ:
“1. Pacificou-se nesta Corte Superior de Justiça e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a apresentação tardia das razões recursais configura simples irregularidade, que não tem o condão de tornar intempestivo o apelo oportunamente interposto. 2. No caso dos autos, conquanto a defesa tenha interposto o recurso de apelação dentro do prazo legal, verifica-se que o reclamo não foi conhecido pelo Tribunal de origem sob o argumento de que as respectivas razões teriam sido apresentadas extemporaneamente, o que revela a coação ilegal a que está sendo submetido o paciente, cuja insurgência deixou de ser examinada em decorrência de uma mera irregularidade” (HC 358.217/RS, j. 23/08/2016).
3) O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão.
O art. 594 do CPP estabelecia que o réu não podia apelar da sentença sem recolher-se à prisão ou prestar fiança, a não ser que fosse primário e de bons antecedentes (assim reconhecido na sentença condenatória) ou que fosse condenado por crime de que se livrasse solto.
O dispositivo foi revogado pela Lei nº 11.719/08, mas o STJ já havia estabelecido, por meio da súmula nº 347, que o conhecimento do recurso de apelação não se condicionava à prisão do réu. Considerava-se, de forma geral, que a disposição do art. 594 era inconstitucional porque contrariava os princípios da não culpabilidade e da ampla defesa. É o que se extrai, por exemplo, do seguinte julgado do STF:
“1. Contraria o direito à ampla defesa a declaração da deserção da apelação em razão do não-recolhimento do condenado à prisão, ou da sua fuga depois de ter apelado. 2. Entendimento consubstanciado pela jurisprudência do Supremo Tribunal no sentido de que é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos como condição de admissibilidade de recurso administrativo (ADI n. 1.976, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 18.5.2007), e pelas alterações produzidas pela Lei n. 11.719/08, que alteraram a interpretação e a aplicação do art. 595 do Código de Processo Penal, pois, além de se revogar expressamente o art. 594 desse diploma legal, alterou-se o seu art. 387, que passou a estabelecer competir ao juiz decidir, “fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta” (parágrafo único do art. 387). 3. Ordem concedida” (HC 85.369/SP, j. 26/03/2009).
E o STJ, como não poderia deixar de ser, vem aplicando a mesma orientação para os casos atualmente julgados, mas que tratam de apelações indevidamente consideradas desertas quando ainda vigorava a norma:
“1. Hipótese em que a apelação criminal não fora conhecida pelo Tribunal de origem, em virtude da aplicação art. 594 do Código de Processo Penal, revogado pela Lei n. 11.719/2008. 2. O entendimento vigente à época, no sentido de que o réu não poderia apelar sem recolher-se à prisão, foi posteriormente alterado e atualmente prevalece posicionamento no sentido de que o conhecimento e o julgamento do recurso de apelação independem do recolhimento do réu à prisão, tendo sido inclusive editada a Súmula 347 nesta Corte” (AgRg no HC 213.440/RJ, j. 01/09/2016).
4) Verificada a inércia do advogado constituído para apresentação das razões do apelo criminal, o réu deve ser intimado para nomear novo patrono, antes que se proceda à indicação de defensor para o exercício do contraditório.
Como já destacamos nos comentários à tese nº 2, a apresentação intempestiva das razões de apelação não impede o conhecimento do recurso interposto no prazo legal. Dessa forma, caso a apelação tenha sido interposta, mas as razões deixem de ser apresentadas, é necessária a intimação do réu para que nomeie outro advogado. Caso a intimação não seja atendida, faz-se a indicação de um defensor para conferir a devida substância ao apelo e garantir o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. Não é possível, sob pena de nulidade, julgar diretamente o recurso sem que as razões sejam apresentadas:
“2. Em respeito às garantias constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, esta Corte Superior de Justiça tem decidido que nas hipóteses em que o advogado do réu, intimado para apresentação das razões da apelação, permanece inerte, é necessário seja oportunizado ao acusado a nomeação de novo defensor, sob pena de nulidade por cerceamento de defesa (HC 229.808/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, Quinta Turma, julgado em 07/08/2012, DJe 14/08/2012). 3. No caso dos autos, embora constatada a inércia do patrono constituído do paciente para oferecer as razões do recurso, o Tribunal a quo, sem proceder à intimação do réu para que, querendo, nomeasse outro advogado de sua confiança para a apresentação das razões do apelo, e, apesar de inúmeros requerimentos ministeriais para a tomada da referida providência, procedeu ao julgamento direto do recurso de apelação, violando, assim, a garantia constitucional à ampla defesa” (HC 368.272/SP, j. 22/11/2016).
5) Não cabe mandado de segurança para conferir efeito suspensivo ativo a recurso em sentido estrito interposto contra decisão que concede liberdade provisória ao acusado.
Nos termos do art. 581, inciso V, do CPP, é cabível o recurso em sentido estrito contra a decisão – dentre outras – que concede a liberdade provisória.
O recurso em sentido estrito é o remédio cabível para impugnar, via de regra, decisões interlocutórias. Em virtude da limitação atual das disposições contidas no art. 584 do CPP, tem efeito suspensivo em apenas duas situações: 1) quando se voltar contra a decisão que decretou a perda da fiança e 2) quando se rebelar contra decisão do juiz que denegar apelação ou a julgar deserta. De se ver, porém, que embora não mencionada no caput do art. 584, em pelo menos mais uma hipótese será deferido o efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito: no recurso que investir contra a pronúncia (art. 581, inciso IV, primeira parte), quando apenas o julgamento em plenário fica suspenso, aguardando a apreciação do RSE (art. 584, § 2º).
Conclui-se diante disso que o recurso em sentido estrito interposto contra decisão que concede a liberdade provisória não tem efeito suspensivo. Na prática, a solução muitas vezes adotada pelo Ministério Público era a impetração de mandado de segurança pleiteando a imposição do mencionado efeito. O STJ, no entanto, firmou a tese de que o mandado de segurança não pode ser impetrado com esse propósito porque não há amparo legal que fundamente a existência de direito líquido e certo:
“2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido do descabimento de mandado de segurança para conferir efeito suspensivo a recurso em sentido estrito interposto a decisão que concede liberdade provisória, por ausência de amparo legal e por tal manejo refugir ao escopo precípuo da ação mandamental. 3. Assim, o manejo do mandado de segurança como sucedâneo recursal, notadamente com o fito de obter medida não prevista em lei, revela-se de todo inviável, sendo, ademais, impossível falar em direito líquido e certo na ação mandamental quando a pretensão carece de amparo legal. Precedentes” (HC 368.906/SP, j. 18/04/2017).
6) O efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição.
Nos comentários à tese nº 1 fizemos alusão à tendência de atribuir à apelação um efeito devolutivo amplo, que confere aos julgadores em segunda instância maior liberdade para analisar o apelo e, se for o caso, decidir com fundamento em teses não aventadas expressamente nas razões recursais.
Essa tendência, todavia, não pode ser aplicada para apelações interpostas contra decisões tomadas pelo Conselho de Sentença nos julgamentos de crimes dolosos contra a vida.
Com efeito, vigora no júri o princípio da soberania dos vereditos, segundo o qual somente os jurados podem decidir pela procedência ou não da imputação. Na precisa lição de José Frederico Marques, a soberania deve ser entendida como a “impossibilidade de os juízes togados se substituírem aos jurados na decisão da causa”. Em suma: um tribunal formado por juízes togados não pode modificar, no mérito, a decisão do Júri popular.
É certo que o princípio comporta exceções, como a revisão criminal e a própria apelação quando a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos. Nela, o Tribunal de Justiça, reconhecendo que a decisão dos jurados contrariou a prova dos autos, determina a realização de um novo julgamento (§ 3º, do art. 593). Não pode o Tribunal, portanto, ao apreciar a apelação, condenar ou absolver, sob pena de ferir o princípio da soberania do júri, mas somente dar provimento ao recurso para que um novo plenário seja realizado.
Não é possível, no entanto, conferir à apelação interposta contra a decisão dos jurados o mesmo efeito que caracteriza o recurso nos demais casos, tanto que a própria lei limita as hipóteses de cabimento do apelo no Tribunal do Júri. Por isso, o STJ tem decidido – seguindo a súmula nº 713 do STF – que os fundamentos expostos nas razões da apelação contra decisão do júri caracterizam a estrita baliza a ser observada no julgamento pelo Tribunal de Justiça. Não é possível, por exemplo, que os julgadores de segunda instância concluam pela inexatidão de uma qualificadora do homicídio que, reconhecida no julgamento em primeira instância, não foi atacada no apelo:
“Em razão das peculiaridades das quais são revestidas as decisões do Tribunal do  Júri, o efeito devolutivo do recurso de apelação é restrito aos fundamentos da sua interposição, previstos nas alíneas do inciso III do artigo 593 do Código de Processo Penal” (AgRg no HC 336.286/GO, j. 02/08/2016).
7) A ausência de contrarrazões ao recurso em sentido estrito interposto contra decisão que rejeita a denúncia enseja nulidade absoluta do processo desde o julgamento pelo Tribunal de origem.
Quando o juiz não recebe a denúncia, profere uma decisão terminativa de mérito, que deve ser atacada por meio do recurso em sentido estrito (art. 581, inciso I, do CPP). A denúncia será rejeitada quando não atentar ao disposto no art. 41 do Código, que determina “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. Ou, ainda, quando, segundo o art. 395, for manifestamente inepta, faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou faltar justa causa para o exercício da ação penal. Na hipótese do juiz receber a denúncia, tal decisão não comporta nenhum recurso, admitindo apenas a utilização do habeas corpus, que não tem a natureza jurídica de recurso, embora, nesse caso concreto, possa funcionar como tal.
Se o Ministério Público interpõe o recurso em sentido estrito contra a decisão que rejeitou a peça acusatória, o denunciado deve ser intimado a apresentar as contrarrazões, por meio das quais, exercendo o contraditório e a ampla defesa, apresentará os argumentos favoráveis à manutenção da decisão judicial que obstou a formação do processo.
Discutia-se a necessidade de intimar o denunciado para fins de contrariedade. Dizia-se que, sendo ele pessoa estranha ao processo, a uma relação processual que, aliás, nem ainda se formou, já que rejeitada a denúncia, não teria cabimento sua intimação para contra-arrazoar o recurso. Não foi o entendimento que predominou, face aos termos da súmula nº 707 do STF, que comina pena de nulidade à não intimação do denunciado para contrariar o recurso da acusação contra a rejeição da denúncia. É a mesma orientação que vem sendo seguida pelo STJ:
“2. Consubstancia cerceamento do direito de defesa o julgamento de recurso interposto pelo Ministério Público contra a rejeição da denúncia sem as contrarrazões defensivas. 3. Transcorrido in albis o prazo para oferecimento das contrarrazões, necessária seria a nomeação de defensor para o ato, sob pena de violação ao contraditório e à ampla defesa, a inquinar de nulidade absoluta o processo” (HC 257.721/ES, j. 25/11/2014).
8) Aplica-se o princípio da fungibilidade à apelação interposta quando cabível o recurso em sentido estrito, desde que demonstrada a ausência de má-fé, de erro grosseiro, bem como a tempestividade do recurso.
Estabelece o art. 579 do CPP que, a não ser que tenha havido má-fé, “a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro”.
Trata-se do princípio da fungibilidade, que permite o conhecimento de recurso erroneamente interposto, desde que não tenha havido má-fé. De sorte que há determinadas situações em que a lei não prevê um recurso específico para uma decisão e doutrina e jurisprudência não se harmonizam a respeito do recurso cabível. Assim, por exemplo, a decisão que suspende o processo do réu citado por edital, nos termos do art. 366 do CPP. A lei não indica o recurso adequado contra essa decisão e a jurisprudência é vacilante, admitindo recurso em sentido estrito, correição parcial, apelação e mesmo habeas corpus (que não tem a natureza jurídica de recurso). Ora, se o recorrente se vale do recurso em sentido estrito e o tribunal entender que o recurso cabível é a apelação, nada impede que conheça aquele primeiro como apelação e, por consequência, aprecie o mérito do recurso.
Para que se aplique o princípio, porém, é preciso que não tenha o recorrente agido de má-fé. Se, por exemplo, o utiliza o recurso errado porque perdeu o prazo para interposição do correto, dá forte indício de estar agindo maliciosamente e, consequentemente, não incidirá o princípio da fungibilidade. Em outras situações, o recurso interposto é o correto, mas seu endereçamento é equivocado (situação comum ao tempo em que existiam os tribunais de alçada e, atualmente, no endereçamento do recurso para o Tribunal de Justiça quando a competência é da Turma Recursal prevista na Lei nº 9.099/95). Nada impede que, uma vez recebido o recurso, seja ele encaminhado para o órgão competente para sua apreciação. A tal remessa, do órgão incompetente para o competente, se dá o nome de princípio da conversão.
Embora não mencionado na lei, a doutrina e a jurisprudência tem exigido um outro requisito para a aplicação do princípio da fungibilidade, a saber, a inexistência de erro grosseiro. O erro grosseiro é aquele que atenta contra expressa disposição legal, ou seja, a lei expressamente prevê um determinado recurso e o sucumbente, por erro inescusável, interpõe outro. É o que ocorreria se o promotor de Justiça se valesse da carta testemunhável contra decisão que rejeitou a denúncia, quando o recurso cabível, segundo texto de lei específico, é o recurso em sentido estrito (art. 581, inc. I).
Por fim, aponta-se ainda um outro requisito, que consiste na necessidade do recurso equivocado ter sido interposto no prazo do recurso correto.
Esses requisitos vêm sendo mencionados expressamente em decisões do STJ:
“1. Conforme o art. 579 do Código de Processo Penal, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça admite a fungibilidade recursal, desde que observado o prazo do recurso que se pretende reconhecer e que não fique configurada a má-fé ou a prática de erro grosseiro. 2. No caso dos autos, o magistrado de primeira instância admitiu parcialmente a acusação, para pronunciar o recorrente pelo crime de homicídio e absolvê-lo sumariamente pelo crime conexo. 3. O Tribunal de origem consignou que o recurso em sentido estrito – que impugnava a parte da decisão que absolvia o recorrente – foi interposto dentro do prazo de 5 dias previstos nos arts. 586 e 593 do Código de Processo Penal, o que demonstra ter havido um equívoco tão somente quanto ao nomen iuris atribuído ao recurso interposto. Precedentes. 4. Agravo regimental desprovido” (AgRg no REsp 1.597.691/SC, j. 18/05/2017).
“1. Esta Corte já se posicionou no sentido de que a decisão que desclassifica a conduta, declinando da competência para o julgamento do feito, deve ser atacada por recurso em sentido estrito, sendo a utilização de recurso de apelação descabida e não passível de aplicação do princípio da fungibilidade recursal, por se tratar de erro grosseiro. Precedente: REsp. 611.877⁄RR, Rel. Ministro OG FERNANDES, Rel. p⁄ Acórdão Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 17⁄4⁄2012, DJe 17⁄9⁄2012. 2. Agravo regimental não provido” (AgRg no REsp 1.622.276/RS, j. 22/11/2016).
9) A decisão do juiz singular que encaminha recurso em sentido estrito sem antes proceder ao juízo de retratação é mera irregularidade e não enseja nulidade absoluta.
O efeito que mais caracteriza o recurso em sentido estrito é o regressivo, também denominado iterativo ou diferido, que importa na faculdade conferida ao juiz de reformar sua própria decisão. Assim, proferida uma decisão impugnável por meio de recurso em sentido estrito, e tendo sido ele interposto, cabe ao juiz, após a apresentação da contrariedade ao recurso, decidir se mantém a decisão anterior ou, ao contrário, se a reforma.
Essa nova decisão deve ser proferida no prazo de dois dias. É o chamado juízo de retratação, previsto no art. 589 do Código. De sorte que o juiz é obrigado a reapreciar a matéria, seja para manter sua decisão (que o Código impropriamente denomina despacho), seja para reformá-la. Caso a reapreciação da decisão não seja exercida, o Tribunal, convertendo o julgamento em diligência, deve devolver o recurso para que seja observado o disposto no art. 589.
A falta, porém, do juízo de retratação não causa nulidade do feito. A jurisprudência a tem tratado como mera irregularidade, que não provoca nenhum efeito contrário à marcha processual:
“1. Ao interpretar o artigo 589 do Código de Processo Penal, esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que a inexistência de pronunciamento do magistrado quanto à manutenção ou não da decisão impugnada por meio de recurso em sentido estrito configura mera irregularidade. Precedentes. 2. Na espécie, conquanto os autos tenham ascendido ao Tribunal de origem sem que o togado tenha realizado o juízo de retratação da decisão de pronúncia, não há dúvidas de que a inobservância de tal formalidade não acarretou quaisquer prejuízos à defesa, uma vez que o recurso em sentido estrito já foi julgado, tendo os indícios de autoria e a materialidade do delito imputado ao paciente sido novamente examinados, não havendo motivos para que o processo seja anulado a fim de que haja novo pronunciamento judicial sobre tais questões, que foram alvo de análise fundamentada na provisional e no aresto objurgado” (HC 369.297/RS, j. 29/10/2016).
10) O adiamento do julgamento da apelação para a sessão subsequente não exige nova intimação da defesa.
Nos termos do art. 370, § 4º, do CPP, é pessoal a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado. No conceito de defensor nomeado deve ser incluído não apenas o defensor público, mas também aquele que, não compondo a instituição (Defensoria Pública), atua na condição de defensor dativo. No Estado de São Paulo, por exemplo, vige convênio firmado entre a OAB e a Defensoria Pública, pelo qual milhares de réus são defendidos por advogados dativos, até porque a Defensoria Pública não se encontra instalada em todas as comarcas. Estes advogados também devem ser intimados pessoalmente, como previsto no dispositivo em exame.
Na segunda instância, uma vez que o julgamento da apelação seja designado para determinada sessão, a intimação também deve ser pessoal, mas, se por acaso o julgamento for redesignado para a sessão subsequente, não há necessidade de nova intimação, que, segundo o entendimento dominante, contraria os princípios da economia e celeridade processuais:
“Nos  termos  da  jurisprudência do STJ, “constatada a regular  intimação da Defensoria Pública para a sessão de julgamento do   recurso   de   apelação,   eventual   adiamento   da  prestação jurisdicional para a sessão subsequente em razão de sobra não enseja a  realização  de  nova  intimação  pessoal,  providência que atenta contra  os  princípios  da  celeridade  e  economia  processual” (HC 319.168/SP,  Rel.  Ministro  LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO Desembargador convocado do TJPE, QUINTA TURMA, DJe 8/10/2015)” (HC 367.083/SP, j. 04/04/2017).
11) Inexiste nulidade no julgamento da apelação ou do recurso em sentido estrito quando o voto de Desembargador impedido não interferir no resultado final.
O pressuposto fundamental para a atuação do juiz, em determinado processo, é sua imparcialidade. O art. 252 do CPP elenca situações objetivas nas quais o legislador entende estar o juiz impedido de atuar. Pouco importa a análise sobre se, em determinado caso – por exemplo, a defensora do réu ser sua esposa -, ele ainda assim manteria sua imparcialidade. Prefere o legislador que não se faça essa espécie de indagação, razão pela qual, adiantando-se, impede o juiz de atuar, por mais isenta que pudesse ser sua postura.
A inobservância das regras relativas ao impedimento acarreta, no geral, a nulidade do feito, como dispõe o art. 564, inciso I, do CPP (que, embora mencione somente a suspeição, inclui, por óbvio, o impedimento). Tem-se decidido, no entanto, que no julgamento colegiado o voto do desembargador impedido não provoca nulidade se, tomado em sua plenitude, não interferiu no resultado do julgamento:
“2. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça firmou orientação segundo a qual o julgamento, proferido em órgão colegiado, do qual participou Desembargador impedido, não deve ser considerado nulo se o referido voto não foi determinante para o resultado. Precedentes. 3. Inexiste nulidade no julgamento da apelação quando o voto do Desembargador impedido não interfere no resultado do julgamento, tendo em vista que o recurso foi desprovido à unanimidade. 4. Vigora no processo penal brasileiro o princípio da livre convicção do julgador, de modo que não há falar em eventual persuasão dos demais pares” (HC 352.825/RS, j. 10/05/2016).
12) O acórdão que julga recurso em sentido estrito deve ser atacado por meio de recurso especial, configurando erro grosseiro a interposição de recurso ordinário em habeas corpus.
Já tivemos a oportunidade de comentar, sobre a tese nº 8, que se aplica o princípio da fungibilidade entre recursos, o que permite ao julgador receber determinado recurso como se fosse outro, desde que ausentes má-fé e erro grosseiro, bem como se observe a tempestividade do recurso correto.
Com fundamento nesses requisitos, o STJ firmou a tese de que a interposição de recurso ordinário em habeas corpus para atacar a decisão de segunda instância em recurso em sentido estrito caracteriza um erro grosseiro. No caso, o recurso adequado é, evidentemente, o especial:
“1. Não há previsão constitucional ou mesmo legal de cabimento de recurso ordinário em habeas corpus para impugnar acórdão proferido em recurso em sentido estrito, cuidando-se, portanto, de erro grosseiro a interposição do presente recurso na hipótese tratada nos presentes autos. 2. Como é cediço, prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que, não obstante o princípio da fungibilidade recursal autorizar o recebimento de um recurso por outro, é indispensável que se observe o prazo do recurso correto, a existência de dúvida objetiva, bem como a não ocorrência de erro grosseiro. Dessa forma, cuidando-se de erro manifesto, uma vez que a hipótese retratada não é capaz de gerar qualquer tipo de dúvida objetiva sobre o recurso cabível, tem-se que não é possível aplicar ao caso o princípio da fungibilidade. 3. Recurso em habeas corpus não conhecido” (RHC 42.394/SP, j. 10/03/2016).
13) O julgamento de apelação por órgão fracionário de tribunal composto majoritariamente por juízes convocados não viola o princípio constitucional do juiz natural.
Os julgamentos de recursos de apelação são promovidos por órgãos colegiados, denominados turmas, compostos por frações do número total de membros do tribunal. É comum que os tribunais convoquem juízes de primeira instância para atuar nas turmas em virtude da ausência dos membros titulares, e, em determinadas situações, não é raro que a maioria dos componentes de uma turma seja de juízes convocados.
Essa situação é bastante questionada sob a ótica do juiz natural. Há quem sustente que a convocação de juízes que não compõem o tribunal contraria o referido princípio porque concede jurisdição a magistrados que, ordinariamente, não poderiam julgar em segunda instância.
O STF, no entanto, tem se orientado no sentido de que a convocação de juízes para atuar em segunda instância – assim como a convocação de desembargadores para atuar no STJ – não fere a Constituição Federal, nem mesmo na situação em que a maioria dos membros de uma turma seja de convocados:
“O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o julgamento de apelação por órgão composto majoritariamente por juízes convocados não viola o princípio do juiz natural” (ARE 677.173 AgR/SP, j. 26/04/2016).
É o mesmo entendimento do STJ:
“Ao examinar o HC 96.821/SP, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de apelação por órgão composto majoritariamente por juízes convocados na forma de edital publicado na imprensa oficial, entendimento que foi recentemente reafirmado no RE 597.133/RS, submetido ao regime da repercussão geral” (HC 379.337/SP, j. 06/12/2016).
14) É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro.
Esta tese é baseada na súmula nº 708 do STF, segundo a qual há de ser reconhecida a nulidade do julgamento da apelação o réu não foi previamente intimado da renúncia de seu único defensor.
Trata-se, normalmente, da situação na qual, às vésperas do julgamento do recurso, o defensor renuncia ao mandato mas o tribunal não toma a providência de intimar o réu para que constitua um novo patrono. Note-se, no entanto, que num dos precedentes da súmula nº 708 o STF considerou inexistir prejuízo à ampla defesa porque, não obstante tenha havido a renúncia do advogado no mesmo dia da sessão designada para julgar a apelação, sem que o réu tenha sido intimado, havia outros advogados constituídos. Mesmo que a intimação para a sessão não tenha sido dirigida a eles pessoalmente, não seria possível considerar, segundo o tribunal, prejuízo à ampla defesa.
E o STJ, firmando a tese adotada naquela súmula, tem reconhecido a nulidade quando se verifica a efetiva falta de defesa:
“No caso em exame, evidenciada a intimação da sessão de julgamento da apelação defensiva, em nome do patrono que já havia renunciado seus poderes, claro está o prejuízo suportado pelo paciente que teve o seu recurso julgado sem defesa técnica. 6. Não atingida a finalidade do ato e existente evidente prejuízo à ampla defesa, configura-se o vício na intimação e, em consequência, impõe-se a sua nulidade e daqueles atos processuais a ele subsequentes, de modo a se refazer a intimação da data de julgamento do apelo defensivo de patrono regularmente constituído pelo paciente. (Súmula 708/STF)” (HC 382.357/SP, j. 06/06/2017).
Mas, para que se anule o processo, a falha da intimação deve ser atribuível aos órgãos de justiça. Do contrário, não se reconhece o descumprimento de formalidade processual:
“2. A renúncia dos advogados constituídos pelo paciente permaneceu completamente alheia ao conhecimento do Tribunal de origem, que só tomou ciência do fato após o julgamento do recurso de apelação. Embora devidamente notificado por seu procurador quanto à renúncia ao mandato, o paciente permaneceu inerte, sem comunicar tal fato ao Juízo, nem tampouco constituir novo defensor. 4. O artigo 565 do Código de Processo Penal impede o reconhecimento de nulidade a que a parte haja dado causa, ou para que tenha concorrido. No caso concreto, a indevida omissão do paciente, geradora da nulidade, é evidente. Precedentes” (HC 337.600/RN, j. 02/08/2016).
15) A renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta.
É comum a situação em que, intimado da sentença penal condenatória, o réu seja instado a se manifestar sobre se deseja ou não apelar. Tão comum quanto é a divergência entre a manifestação do acusado que renuncia ao direito de apelar e a conduta do defensor que, analisando tecnicamente a sentença, decide recorrer.
A questão já suscitou grande polêmica.
Havia uma corrente jurisprudencial que considerava impossível o conhecimento do recurso. Esse entendimento se fundava, basicamente, em três argumentos: a) sendo o réu o único atingido pela sentença, aquele que, portanto, sofre na própria pele seus efeitos, cabe somente a ele a decisão de recorrer ou não, já que é titular exclusivo do direito ao recurso; b) ao recorrer contra a vontade do réu, seu defensor da causa à revogação tácita do contrato de mandato, vez que pratica um ato contrário ao desejo de seu constituinte; c) em algumas situações, o recurso acaba se revelando prejudicial ao condenado, que, enquanto aguarda seu julgamento, vê-se impedido de obter algum benefício (progressão de regime, por exemplo), em sede de execução penal.
Esses argumentos, no entanto, não se sustentaram.
O primeiro deles, embora partindo de premissa verdadeira, não autoriza a conclusão proposta porque, via de regra leigo nas coisas do Direito, tal qual a enorme massa que compõe a clientela da justiça criminal, o réu não reúne qualquer condição de avaliar o acerto da decisão, tamanhas as peculiaridades que a podem cercar.
O segundo deles também não fazia sentido porque, conforme se conclui da observação do cotidiano forense, boa parte dos réus é defendida por defensores dativos. Ora, a tais defensores, quer públicos ou privados (estes nomeados por meio de convênios firmados com a OAB), não se confere mandato. Não atuam por força de contrato celebrado entre eles e os acusados, mas porque suas participações (efetivas e não meramente formais) são obrigatórias, por força de mandamento constitucional, que garante o contraditório e a ampla defesa.
Insustentável, também, a afirmação de que o recurso poderia, no final das contas, ser prejudicial ao réu. Com efeito, de se ver, inicialmente, que é vedada a possibilidade de o Tribunal agravar a situação, por força do disposto no art. 617 do CPP, que impede a chamada reformatio in pejus. Em outras palavras: o maior prejuízo que pode experimentar o réu consiste em, negando-se provimento ao seu recurso, ser mantida na íntegra a situação determinada pela decisão recorrida. Ou seja, é impossível a ocorrência de qualquer prejuízo. Além disso, é incorreto afirmar que o réu está impedido de receber algum benefício enquanto o recurso pender de julgamento. Afinal, de há muito se fixou entendimento admitindo a chamada execução provisóriada sentença dos acusados presos de modo a possibilitar a concessão de benefícios. De tal forma que, tratando-se de recurso exclusivo do réu, a sentença condenatória, no que concerne à acusação, adquire caráter de imutabilidade.
De qualquer sorte, após divergência jurisprudencial, firmou-se o entendimento estampado na súmula nº 705 do STF, in verbis: “a renúncia do réu ao direito de apelação, manifestado sem a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta”.
É o mesmo que vem decidindo o STJ:
“É matéria pacífica neste Tribunal e sumulada pelo Pretório Excelso que, diante da divergência entre defensor e réu acerca do intuito de recorrer, prevalece o entendimento que viabiliza o duplo grau de jurisdição” (HC 264.249/SP, j. 02/05/2013).
“Revela-se manifesto prejuízo acarretado ao recorrente, uma vez que sua condenação não foi analisada por profissional da área jurídica, não sendo possível concluir que o recurso de apelação deixou de ser interposto voluntariamente pela defesa técnica. Com efeito, não tendo a defesa dativa sido intimada pessoalmente da condenação, não houve juízo acerca do cabimento de recurso, o qual, acaso fosse positivo, prevaleceria sobre a manifestação do recorrente. Conforme dispõe o verbete n. 705⁄STF, ‘a renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta’” (RHC 50.739/SC, j. 28/03/2017).

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