Resumo: Este artigo trata de
hipótese de exceção à aplicação do dispositivo legal previsto na lei do mandado
de segurança e das súmulas n. 269 e 271 do STF.
Verifica-se de forma recorrente,
no meio jurídico, a aplicabilidade dos entendimentos sumulados ou de
dispositivos legais de forma automática, sem que antes seja feita uma análise
mais aprofundada do assunto jurídico que se está debatendo.
Segundo Dallari, vislumbra-se uma
tendência de trabalhos interdisciplinares para o estudo das ciências do
comportamento. Entende-se por “ciência do comportamento” aquela que alcança
todos os estudos do comportamento, sendo aplicada às pesquisas sociais preocupadas
com a compreensão científica do homem em sociedade, independente da disciplina
de que faça parte (DALLARI, 2001, p. 21). Tal aspecto crítico deve ser aplicado
inclusive nas ciências jurídicas.
Neste sentido, a ciência moderna
produz conhecimentos e desconhecimentos e, “se faz do cientista um ignorante
especializado, faz do cidadão comum um ignorante generalizado” (SANTOS, 2002,
p. 48).
A aproximação entre a História e
o Direito deve tomar como referência a Dinâmica de uma conjuntura histórica
determinada. Deve-se analisar a perspectiva do Direito como um produto
histórico, participante da dinâmica
social, na medida em que produz transformações históricas, ao mesmo tempo
em que é produzido e transformado historicamente (NEDER, 1995, p. 25-26).
Por exemplo, nos termos da Lei do
Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/09): “Art. 14. § 4o
O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença
concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta
ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento
da inicial”.
Tal consagração em dispositivo
legal ocorreu em razão do entendimento já consubstanciado pelo STF (Supremo
Tribunal Federal), por meio do enunciado n. 271 da Súmula do STF, a seguir: “STF,
Súmula nº 271: Concessão de Mandado de Segurança - Efeitos Patrimoniais
em Período Pretérito - Concessão de
mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais, em relação a período
pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via
judicial própria.”
Assim, caso se interprete em
qualquer caso pela aplicação literal da referida súmula ou do art. 14, §4º, da
Lei n. 12.016/09, a situação daquele que é demitido
injustamente prova, pelo menos, consequências ainda mais dissonantes com a
pacificação social.
A título de exemplo, o servidor
público que requerer a sua reintegração ante a ilegalidade do procedimento
administrativo disciplinar e a consequente anulação do ato administrativo que
demitiu o servidor terá ou não direito aos vencimentos não percebidos durante o
período de indevido afastamento?
Imaginem a situação de um
servidor que foi reintegrado judicialmente (em razão de mandado de segurança
concessivo) apenas após 3 (três) anos do ato demissório e que passou extremas
dificuldades para garantir as necessidades básicas com alimentação, vestuário,
saúde, moradia, entre outros.
O referido servidor teria que
requerer novamente o pagamento das parcelas não percebidas a partir de um ato
nulo da administração? Entendo que não. Pode se dar como fundamento uma série
de princípios ou postulados do direito, tais como: dignidade da pessoa humana,
razoável duração do processo, concentração dos atos processuais, direito a
alimentos, etc.
Portanto, é necessária uma
superação à interpretação literal dos dispositivos acima mencionados.
Com algumas destas premissas, o
Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que "os
efeitos patrimoniais da concessão da ordem em mandado de segurança, na hipótese
em que servidor público deixa de auferir seus vencimentos, parcial ou integralmente,
por ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada, devem retroagir à data da
prática do ato impugnado, violador de direito líquido e certo. É dizer, os
efeitos patrimoniais pretéritos podem se dar em data anterior à da impetração,
sendo inaplicáveis os enunciados das Súmulas nos 269 e 271 do STF"
(AgRg no REsp 968.885/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA,
julgado em 05/02/2013, DJe 15/02/2013) (grifou-se). Precedentes: MS n.
12.397/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 16/06/2008; AgRg no
REsp nº 1.116.657/PR, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (Desembargador Convocado
do TJ/SP), DJe 17/12/2010; e REsp nº 1.087.232/ES, Rel. Ministra LAURITA
VAZ, DJe 27/09/2011.
Assim, o Superior Tribunal de
Justiça superou o entendimento consubstanciado nas súmulas 269 e 271 do Supremo
Tribunal Federal e no dispositivo legal previsto no §4º do art. 14 da Lei do
Mandado de Segurança.
Referências
DALLARI, 2001, p. 21
SANTOS, 2002, p. 48
NEDER, 1995, p. 25-26