quarta-feira, 15 de abril de 2015

ASPECTOS DO PROJETO DE LEI N. 4330/2004, que trata da terceirização das relações de trabalho.

Em razão da crescente competitividade do mercado, novas formas de prestação de serviço têm surgido como forma de melhorar o produto oferecido ou mesmo a qualidade dos serviços prestados, e, ao lado de tudo isso, a redução dos custos empresariais.

Neste contexto, surge o instituto da terceirização das relações de trabalho, que vem com a intenção para que a atenção negocial de determinada empresa seja apenas voltada para a sua atividade principal, deixando a cargo da empresa prestadora de serviços (empresa terceirizada) as atividades não essenciais.

Com isso, a razão para a existência de empresas terceirizadas é para que a atividade-meio seja realizada por empresa contratada.

O texto principal aprovado pela Câmara amplia a terceirização para todos os setores, inclusive nas vagas relacionadas à atividade-fim das empresas contratantes. Atualmente, só é permitida a terceirização em atividades-meio, como limpeza e segurança.

A terceirização da forma como está hoje apresenta alguns quadros preocupantes:

- entre 2010 e 2013, nas 10 maiores operações de resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão, quase 3.000 dos 3.553 casos envolviam terceirizados;

- No caso de óbitos durante o serviço no setor elétrico, em 2013 perderam a vida 61 terceirizados, contra 18 empregados diretos;

- Na construção de edifícios, foram 75 mortes de terceirizados em um total de 135 mortes;

- Nas obras de acabamento, os terceirizados foram 18 do total de 20 óbitos, nas de terraplanagem, 18 entre 19 casos e nos serviços especializados, 30 dos 34 casos detectados.

Com esse quadro apresentado, mesmo estando a terceirização permitida apenas para a atividade-meio, imaginem como será a condição do trabalhador se o quadro de terceirização for ampliado para toda e qualquer atividade do setor privado?

Sem dúvida, caminhamos para uma subversão do próprio instituto da terceirização e também para um quadro de retrocesso das relações de trabalho.

A ampliação do instituto viola frontalmente os princípios da proteção ao trabalhador, da norma mais favorável, da condição mais benéfica, do tratamento isonômico que deve haver entre trabalhadores que prestam serviço a uma mesma empresa, da dignidade do trabalhador, entre tantos outros princípios de ordem constitucional.

Ao eliminar de uma vez tais princípios, temos a mercantilização do trabalhador.

Por que faço tal afirmação?

O direito do trabalho apenas após anos de conquistas sociais tem se firmado e sido reconhecido como autônomo do direito civil, isto é, não se deve tratar o trabalhador sem um rol de condições mínimas de jornada, trabalho e especialmente segurança do trabalho.

O instituto da terceirização tem por fundo central o pagamento cada vez mais baixo de salário ao trabalhador, isso porque ganha a licitação (instituto que deverá ser utilizado pelas empresas privadas para contratarem prestadores de serviço da atividade-meio ou atividade-fim) aquela empresa prestadora que fizer o menor preço. Por consequência, o salário do trabalhador tende a ser reduzido, assim como suas verbas rescisórias tendem a ser inadimplidas.

Mas aí alguém vai me dizer que “mas as empresas tomadoras do serviço serão responsabilizadas, certo?”, resposta: certo, mas com ressalvas, e o problema está exatamente nessas ressalvas.

Para o projeto de Lei n. 4.330/2004, a responsabilidade da empresa que se beneficiou diretamente do esforço do trabalho será meramente subsidiária.

Em minha opinião, a responsabilidade da empresa tomadora deveria ser solidária ou direta, com direito à empresa tomadora ajuizar ação regressiva contra a empresa inadimplente.

A responsabilidade subsidiária ocorre somente pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas da prestadora de serviços. Nesse caso, o responsável subsidiário (o tomador de serviços) responderá pelas obrigações, desde que tenha participado da relação processual e já tenha havido o trânsito em julgado da decisão.

Qual a consequência fática disto?

De fato, conforme se verifica da nossa experiência na área trabalhista, a execução do responsável subsidiário demora a ocorrer, e isso facilita a inadimplência dos tomadores de serviço.

Em poucas palavras, a empresa que se beneficiou diretamente da prestação de serviços consegue um prazo ainda maior para não ser responsabilizada financeiramente.

Assim, o trabalhador prejudicado e necessitado de receber o quanto antes suas verbas trabalhistas (registre-se aqui a necessidade de se alimentar) vai ter de esperar um prazo ainda maior.


Em resumo, tendo como valor a proteção à dignidade do trabalhador e o valor social dos contratos de trabalho, bem assim de modo a evitar a mercantilização do trabalhador, o PL 4330/2004 deverá sofrer várias modificações para que não seja um retrocesso muito grande para as relações de trabalho.

*o autor Kléber Vinicius é Defensor Público Federal, atua em ofício trabalhista do DF, professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Membro da Câmara de Coordenação e Revisão Trabalhista da DPU.

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