terça-feira, 8 de julho de 2014

(CESPE - 2013 - DPE-DF - Defensor Público). Segundo o Código Civil de 2002, para a autorização da desconsideração da personalidade jurídica, basta a falta de patrimônio da sociedade para solver suas obrigações.

COMENTÁRIO: Está ERRADA. Trata-se de questão que envolve conhecimento sobre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
História. Surgimento do instituto. Caso “Salomon vs Salomon & Co Ltda”, julgado na Inglaterra em 1897. No referido precedente, o Senhor Aara Salomon, um comerciante individual, resolveu constituir uma sociedade com sua mulher e cinco filhos. A sociedade foi fundada, então, com um capital de 20.006 ações, reservando-se 20.000 ações para a propriedade do mencionado comerciante individual, e as outras 06, à de sua mulher e filhos, sendo uma para cada. Para integralizar suas ações o Sr. Salomon transferiu à sociedade o fundo de comércio que possuía a título individual. Como o fundo de comércio valia mais do que as 20.000 ações, o Sr. Salomon tornou-se credor da diferença, tendo instituído a seu favor uma garantia real. A sociedade, depois, tornou-se insolvente e foi dissolvida. Durante a liquidação, o Sr. Salomon pretendeu receber seu crédito, por contar com a garantia real, privilegiadamente em relação aos demais credores. Houve, então, um conflito entre o Sr. Salomon e o liquidante, que levada às barras dos Tribunais, foi vencido, como eu disse, nas instâncias inferiores pela sociedade, sob o argumento de que o Sr. Salomon se confundia com a pessoa jurídica, constituída apenas para fraudar credores.
No final dos anos 60, o professor Rubens Requião trouxe para o Brasil a doutrina da Desconsideração da Personalidade Jurídica, conhecida pelos ingleses e norte-americanos como Disregard Doctrine ou Disregard of Legal Entity, que consiste, nas palavras do mestre Requião, na possibilidade de descortinar o véu da personalidade jurídica com a consequente responsabilização de um ou mais sócios pelas obrigações assumidas pela sociedade, possibilitando, assim, o ataque patrimonial destes, o que era, até então, impensável.
O motivo de ser do instituto. De acordo com a lição de Marlon Tomazette: “A personificação das sociedades é dotada de um altíssimo valor para o ordenamento jurídico, e inúmeras vezes entra em conflito com outros valores, como a satisfação dos credores. A solução de tal conflito se dá pela prevalência de valor mais importante. O progresso e o desenvolvimento econômico proporcionado pela pessoa jurídica são mais importantes que a satisfação individual de um credor. Logo, deve normalmente prevalecer a personificação. Apenas quando um valor maior for posto em jogo, como a finalidade social do direito, em conflito com a personificação, é que está cederá espaço. Quando o interesse ameaçado é valorado pelo ordenamento jurídico como mais desejável e menos sacrificável do que o interesse colimado através da personificação societária, abre-se oportunidade para a desconsideração sob pena de alteração da escala de valores” (Curso de Direito Empresarial – Teoria Geral, Direito Societário – Vol. 1 – 6ª ed-2014, ed. Atlas).
Teorias Importantes. Maior (aspectos objetivo e subjetivo) e Menor da Desconsideração.
A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica possui como regra desconsiderar a autonomia da sociedade nos casos em que for configurado que seus sócios agiram com fraude, abuso, desvio de finalidade ou ainda que houve confusão patrimonial entre os bens da pessoa física e os bens da pessoa jurídica. O artigo 50, do Código Civil, aborda a teoria maior da desconsideração.
Código Civil. Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica possui duas formulações, a objetiva e a subjetiva. A primeira delas (objetiva) trata da confusão patrimonial, situação que possui maior facilidade de ser comprovada. Já a formulação subjetiva pressupõe a fraude, o abuso de direito, o desvio de finalidade, elementos estes com maior dificuldade de serem comprovados, pois a intenção que o sócio possui em frustrar os interesses do credor deve ser demonstrada.
A teoria maior também se encontra corroborada no Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990), em seu artigo 28, caput: o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
Observe-se que os Tribunais Superiores (STJ e STF) adotam de modo pacífico este entendimento:
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 50 DO CC/02. APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ALCANCE DO SÓCIO MAJORITÁRIO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial. 3. A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro, prevista no art. 50 do CC/02, consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. 4. Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. 5. Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se beneficiaram, ainda que se trate de sócio majoritário ou controlador. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido (STJ - REsp: 1325663 SP 2012/0024374-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/06/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2013).
A teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica é muito menos elaborada do que a teoria maior, pois a sua aplicação pressupõe o simples inadimplemento para com os credores, sem ao menos analisar os reais motivos que levaram a sociedade a deixar de se obrigar perante terceiros. Também é aplicada a teoria menor nos casos de insolvência ou falência da pessoa jurídica, pouco importando se o sócio utilizou fraudulentamente o instituto, se houve abuso de direito, tampouco se foi configurada a confusão patrimonial; a preocupação maior é não frustrar o credor da sociedade. O caput do art. 28 do CDC acolhe de modo predominante a teoria maior subjetiva da desconsideração, enquanto que o § 5° do referido dispositivo acolhe a teoria menor da desconsideração, em especial se considerado for a expressão “Também poderá ser desconsiderada”, o que representa, de forma inegável, a adoção de pressupostos autônomos à incidência da desconsideração. Art. 28, § 5º, do CDC: Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
A desconsideração da personalidade jurídica também se encontra presente nos seguintes diplomas legais:
1 – Artigo 34 e parágrafo único, da Lei n° 12.529/2011 (lei antitruste): a personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
Adotou-se a teoria maior da desconsideração.
2 - Artigo 4°, da Lei n° 9.605/1998 (lei que comina sanções administrativas e penais contra os algozes do meio ambiente): poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
Adotou-se a teoria menor da desconsideração.


Respondendo à questão. Após compreender o que foi ensinado acima, conclui-se que a assertiva está ERRADA, pois tratou da teoria menor da desconsideração, que não está prevista no Código Civil, mas no Código de Defesa do Consumidor. Para esta teoria, ao contrário da teoria maior, seja a maior objetiva ou a maior subjetiva, não se faz necessária a comprovação de que houve confusão patrimonial (maior objetiva), fraude, abuso da personalidade jurídica ou desvio de finalidade (maior subjetiva). Basta que haja falta de patrimônio da sociedade para saldar suas dívidas e satisfazer as obrigações contraídas para se configurar a necessidade de desconsiderar a personalidade jurídica.

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