COMENTÁRIO: Está ERRADA.
Trata-se de questão que envolve conhecimento sobre o instituto da
desconsideração da personalidade jurídica.
História.
Surgimento do instituto. Caso “Salomon vs Salomon & Co Ltda”, julgado na
Inglaterra em 1897. No referido
precedente, o Senhor Aara Salomon, um comerciante individual, resolveu
constituir uma sociedade com sua mulher e cinco filhos. A sociedade foi
fundada, então, com um capital de 20.006 ações, reservando-se 20.000 ações para
a propriedade do mencionado comerciante individual, e as outras 06, à de sua
mulher e filhos, sendo uma para cada. Para integralizar suas ações o Sr.
Salomon transferiu à sociedade o fundo de comércio que possuía a título
individual. Como o fundo de comércio valia mais do que as 20.000 ações, o Sr.
Salomon tornou-se credor da diferença, tendo instituído a seu favor uma
garantia real. A sociedade, depois, tornou-se insolvente e foi dissolvida.
Durante a liquidação, o Sr. Salomon pretendeu receber seu crédito, por contar com
a garantia real, privilegiadamente em relação aos demais credores. Houve,
então, um conflito entre o Sr. Salomon e o liquidante, que levada às barras dos
Tribunais, foi vencido, como eu disse, nas instâncias inferiores pela
sociedade, sob o argumento de que o Sr. Salomon se confundia com a pessoa
jurídica, constituída apenas para fraudar credores.
No final dos anos 60, o professor Rubens Requião trouxe
para o Brasil a doutrina da Desconsideração da Personalidade Jurídica,
conhecida pelos ingleses e norte-americanos como Disregard Doctrine ou
Disregard of Legal Entity, que consiste, nas palavras do mestre Requião, na possibilidade de descortinar o véu da
personalidade jurídica com a consequente responsabilização de um ou mais sócios
pelas obrigações assumidas pela sociedade, possibilitando, assim, o ataque
patrimonial destes, o que era, até então, impensável.
O motivo de ser
do instituto. De acordo com a lição de
Marlon Tomazette: “A personificação das sociedades é dotada de um altíssimo
valor para o ordenamento jurídico, e inúmeras vezes entra em conflito com
outros valores, como a satisfação dos credores. A solução de tal conflito se dá
pela prevalência de valor mais importante. O progresso e o desenvolvimento
econômico proporcionado pela pessoa jurídica são mais importantes que a
satisfação individual de um credor. Logo, deve normalmente prevalecer a
personificação. Apenas quando um valor maior for posto em jogo, como a
finalidade social do direito, em conflito com a personificação, é que está
cederá espaço. Quando o interesse ameaçado é valorado pelo ordenamento jurídico
como mais desejável e menos sacrificável do que o interesse colimado através da
personificação societária, abre-se oportunidade para a desconsideração sob pena
de alteração da escala de valores” (Curso de Direito Empresarial – Teoria
Geral, Direito Societário – Vol. 1 – 6ª ed-2014, ed. Atlas).
Teorias
Importantes. Maior (aspectos objetivo e subjetivo) e Menor da Desconsideração.
A teoria maior da
desconsideração da personalidade jurídica
possui como regra desconsiderar a autonomia da sociedade nos casos em que for
configurado que seus sócios agiram com
fraude, abuso, desvio de finalidade ou ainda que houve confusão patrimonial entre
os bens da pessoa física e os bens da pessoa jurídica. O artigo 50, do Código
Civil, aborda a teoria maior da desconsideração.
Código Civil. Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o
juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações
de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou
sócios da pessoa jurídica.
A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica
possui duas formulações, a objetiva e a
subjetiva. A primeira delas (objetiva)
trata da confusão patrimonial, situação que possui maior facilidade de ser
comprovada. Já a formulação subjetiva
pressupõe a fraude, o abuso de direito,
o desvio de finalidade, elementos
estes com maior dificuldade de serem comprovados, pois a intenção que o sócio
possui em frustrar os interesses do credor deve ser demonstrada.
A teoria maior também se encontra corroborada no Código de
Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990), em seu artigo 28, caput: o juiz poderá desconsiderar a personalidade
jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando
houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa
jurídica provocados por má administração.
Observe-se que os
Tribunais Superiores (STJ e STF) adotam de modo pacífico este entendimento:
PROCESSUAL CIVIL E
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO,
CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 50 DO CC/02. APLICAÇÃO
DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ALCANCE DO
SÓCIO MAJORITÁRIO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
LEGAIS. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de
declaração. 2. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo
recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial. 3. A regra geral adotada no ordenamento
jurídico brasileiro, prevista no art. 50 do CC/02, consagra a Teoria Maior da
Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. 4. Salvo em situações excepcionais
previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da
personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior
Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de
fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando
evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração),
demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o
patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. 5. Os efeitos da
desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios
participantes da conduta ilícita ou que dela se beneficiaram, ainda que se
trate de sócio majoritário ou controlador. 6. Recurso especial parcialmente
conhecido e, nesta parte, provido (STJ -
REsp: 1325663 SP 2012/0024374-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de
Julgamento: 11/06/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2013).
A teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica é muito menos elaborada do que a teoria maior, pois a sua
aplicação pressupõe o simples inadimplemento para com os credores, sem ao menos
analisar os reais motivos que levaram a sociedade a deixar de se obrigar
perante terceiros. Também é aplicada a teoria menor nos casos de insolvência ou
falência da pessoa jurídica, pouco importando se o sócio utilizou
fraudulentamente o instituto, se houve abuso de direito, tampouco se foi
configurada a confusão patrimonial; a preocupação maior é não frustrar o credor
da sociedade. O caput do art. 28 do CDC acolhe de modo predominante a
teoria maior subjetiva da desconsideração, enquanto que o § 5° do referido
dispositivo acolhe a teoria menor da desconsideração, em especial se
considerado for a expressão “Também poderá ser desconsiderada”, o que
representa, de forma inegável, a adoção de pressupostos autônomos à incidência
da desconsideração. Art. 28, § 5º, do CDC: Também poderá
ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de
alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores.
A desconsideração
da personalidade jurídica também se encontra presente nos seguintes diplomas
legais:
1 – Artigo 34 e parágrafo único, da Lei n° 12.529/2011 (lei antitruste):
a personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá
ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.
Adotou-se a teoria maior da desconsideração.
2 - Artigo 4°, da Lei
n° 9.605/1998 (lei que comina sanções administrativas e penais contra os
algozes do meio ambiente): poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre
que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à
qualidade do meio ambiente.
Adotou-se a teoria menor da desconsideração.
Respondendo à
questão. Após compreender o que foi
ensinado acima, conclui-se que a
assertiva está ERRADA, pois tratou da teoria menor da desconsideração,
que não está prevista no Código Civil, mas no Código de Defesa do Consumidor.
Para esta teoria, ao contrário da teoria maior, seja a maior objetiva ou a
maior subjetiva, não se faz necessária a comprovação de que houve confusão
patrimonial (maior objetiva), fraude, abuso da personalidade jurídica ou desvio
de finalidade (maior subjetiva). Basta que haja falta de patrimônio da
sociedade para saldar suas dívidas e satisfazer as obrigações contraídas para
se configurar a necessidade de desconsiderar a personalidade jurídica.
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